Hoje o vento invadiu minha sala repentinamente. Entrou correndo pela janela, sacudindo as cortinas, varrendo os móveis e balançando meus cabelos, fazendo cócegas em minhas orelhas. Como sempre, provocante, me causou emoções inquietas, desafiadoras. Percorreu não só a estante lotada de livros, mas as histórias escritas neles e cada personagem vivendo em suas páginas. Todos sentimos, surpreendidos, doces calafrios dos beijos que o vento soprou. Levantou os papéis esquecidos sobre a mesa, os quais dançaram incontinentes a música regida pelo infante maestro que brincava desajeitado, derrubando os objetos do aparador e as fotos penduradas na parede.
Mas então me levantei, impiedosa, e corri rapidamente os trilhos das janelas abertas, interrompendo o espetáculo, trancando o vento sozinho do lado de fora. Já acostumada a seguir só, não imaginei que tamanha tristeza causaria. Cortei a música, inibi a dança, paralisei a brincadeira. E o vento moribundo, bêbado, tonto em sua loucura contagiante, chorou do outro lado do vidro. Batia desesperado, rogando-me que o deixasse entrar. Esperneou, agredindo as janelas. Me ameaçou com uivos e trovoadas. Gritou alto de dor, de medo do deserto lá fora. Por um momento, cheguei a pensar em deixá-lo voltar por apenas alguns segundos, para se aquecer, para aquecer nossos corações. Mas ele desabou em lágrimas. Derramou rios melosos sobre as calçadas, ruas, outdoors e placas de trânsito. Balançava, nervoso, as árvores em seu caminho, derrubando suas folhas inocentes, desferindo golpes em minha direção, detidos apenas pelo fino vidro que nos separava.
Vendo assim sua fraqueza, esqueci-me de meu breve pensamento de caridade e velei-o, manhoso e cheio de pirraça, só e atabalhoado, do outro lado do mundo. Não permitirei que molhe minhas cortinas e meu sofá, bagunçando o conforto que construí e fazendo festa em minha sala impecável. Chora agora vento boêmio. Repensarei tua penosa condição e talvez se, e somente se, te acalmares e sentires que és capaz de tocar uma música suave, que não acelere quaisquer rítmos cardíacos, e prometeres, "palavra de escoteiro", que não tirarás meus papéis para dançar, poderei até deixar que entres novamente em minha casa. Mas tudo sem bagunça, pois nada deverá sair de seu devido lugar.