A vida de Amélia seguia normalmente sem muitas impressões. Cumpria somente e sabia que deveria ater-se a seus afazeres de todos os dias. Trabalho, almoço, casa. Repetições constantes e autoritárias que impunha a si mesma. Somente a certeza da rotina lhe fazia sentir a segurança tão desejada em meio aos conflitos que algemava em seu interior. Não devia nada ao mundo lá fora. Até então, conseguira passar despercebida pelas almas curiosas de seu círculo de convivência. Saberiam eles de seus grotescos pensamentos egoístas? Como reagiriam eles diante da revelação das reais intenções de seus atos? Sublimados pela inexistência temporária. Embaraçados em meio ao caos de seus sentimentos. Protótipos mal elaborados dos sonhos que abandonara há milhoes de anos-luz. Sentia-se eterna, imortal em sua pequenina grandeza interior. Sereia do tempo, navegante das ondas sonoras, surfista incondicional da vontade alheia. Poderia pegar as palavras e fabricar algodões-doces cheios de açúcar e nenhum conteúdo. As pessoas gostavam de ler suas idéias vazias. Sentiam-se mais sábias e cultas apenas pela impressão agradável que as palavras lhes causavam. Não se importavam em compreender os sentidos camuflados no doce que derretia em suas bocas. Era doce e pronto. Era bom.
Amélia poderia reconstruir-se todos os dias, mas nada saía do lugar. As coisas permaneciam as mesmas. Sua história permaneceria a mesma. Já não lutava mais contra o inevitável. Aceitava passivamente os dias que lhe eram propostos. Sem vírgulas, sem interrogações, apenas reticências... Continuaria assim ainda por muito tempo. À meia-vida. Ao meio-tempo. Ao meio-nada. Ao meio. Seria infinatamente duas. Seria a casca e o miolo. Seria a paz e o tufão destruidor. Altiva e quebrantada, impenetrável e desolada. Ninguém jamais conheceria o fardo de ser. Apenas sempre ser. Ser-Amélia.
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