quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

E, de repente, volta aquela vontade de escrever, reescrever, pensar e repensar. Avaliar os dias cinzas que começam a ganhar contornos de calor e renascimento. Agradecer e reconhecer os sofrimentos que nos ensinam árduas lições e quebrantam duras cervizes. Ver secar a umidade que margeia os olhos. Perceber que os pedaços podem ser religados, e os ossos secos podem ser ressuscitados. Este som de folhas secas sendo pisoteadas me remete ao outono que chegou e logo deu lugar a outras estações. O vento frio que me fez retroceder varreu as ruas, revelando novas belezas. E as janelas outrora fechadas se reabriram para receber a brisa que sinaliza o dia novo. O cheiro doce das manhãs que se levantam triunfantes, o estalar das ideias que desabrocham em novas percepções, o caminhar sereno de quem sabe que já não anda sem direção. Há um caminho que se forma gradativamente, revelando um destino glorioso de graça e perdão. Há, finalmente, compaixão que renasce em meio a essa gratidão, e um fôlego de vida que renova os sonhos que conduzem meu coração.

Há Deus, há amor incondicional, há fé, há vida eterna! E há, portanto, lutas que valem a pena.

terça-feira, 1 de julho de 2014


Estava tudo bem.

Será que estava mesmo?

Uma caixa, uma concha. Uma capa escondendo um tufão. Anos arrastados sem verão. Dias tristes, frios, ruidosos. Um tempo sem palavras e sem gargalhadas. Um teatro cego e mudo. Mentiras embrulhadas em rotina. Falta de fé. Dias sem razão. Desespero em taças de vinho.

Alma cansada. Personalidade embaralhada. No peito a cicatriz de um rasgo, ressecado, cauterizado. Camadas de moda sobre um estômago vazio. Maquiagens espalhadas pelo balcão. A tinta na pele escorrendo em vão.

Infidelidade. Um camaleão misturando-se à multidão. Falta de identidade. Ausência de conhecimento. Pessimismo. Um olhar sobre o passado. A estaca do amado sobre seu coração. A contradição entre as palavras e as idéias. A dissolução do que já não era.

Difícil colorir na escuridão. Melancolia em lenços de papel. O toque vazio sobre a tela. Despedida. Ao longe, no pensamento, uma última fagulha, lentamente se apagando.

Silêncio. Louca sobriedade.

Estava tudo muito bem.

Mesmo.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Hoje passei os olhos rapidamente nas manchetes do dia e fiquei surpresa com a velocidade com que mudei  de "Morro desliza, soterra casas e mata seis no interior do Rio" para "Fabiana tem personalidade forte, diz amigo da BBB" e de "Menino é baleado enquanto empinava pipa com amigos em Nova Granada" para "Ford revela novo Fusion esperado no Brasil este ano". As notícias me foram deslizando de um canto a outro, sem provocar quaisquer reações ou reflexões. Não fiquei horrorizada com as tragédias nem entusiasmada com as futilidades, mas minha leitura automática me fez perceber meu condicionamento natural para aceitar a desgraça brasileira, já tão comum. A destruição das chuvas já não virou episódio cotidiano, evento de todo ano? O lixo despejado pela Globo e outras mídias já não virou entretenimento diário para nossas mentes desgastadas? Já não fico mais perplexa ou admirada, senão comigo mesma, quando me percebo tão vazia, inerte e manipulada. Ai!


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011


Tanta gente passa por mim todos os dias e nem sente. Nos esbarramos nas ruas, na esquina, no cinema, na padaria, na drogaria. Cada um carregando um mundo inteiro dentro de si, sentimentos de amor, ódio e agonia. Tanta gente atravessa o meu caminho e me atravessa, como se fôssemos apenas fantasmas perdidos, longe de casa. Tanta gente vivendo suas próprias idéias, seus próprios enredos, solitárias mesmo quando juntas.
E este planeta tão resoluto, firme em seus movimentos de translação, rotação e sua viagem em direção a seu próprio fim, levando consigo uma coleção de histórias inacabadas, de desencontros planejados ou inesperados, de juventude ou mesmo cabeças esbranquiçadas enterradas antes do tempo, em seus destinos ou catástrofes generalizadas.
Tanto medo, tanta coragem fingida, tanta indiferença e coragem verdadeira daquele que já não se importa. A perfeição bate à porta. Peso ideal, carreira profissional, casa na praia, viagem no carnaval. Tanta gente buscando aquilo que se vende nas vitrines, nas novelas, nas redes sociais, mas nunca pode ser comprado. Tantos corpos caminhando ao meu lado sem notar o meu fardo, sem dividir seu cansaço. Tantos ombros caídos, tantos cenários cabisbaixos, tantos carros que nunca param, trancados em seus vidros escuros, em seus corações cicatrizados.
A humanidade é numerosa, mas nossa humanidade é pequena e medrosa. Tantos de nós que se escondem, carregando marcas de roupas, de perfume, de jóias, e disfarçando suas marcas de desilusão e dores passadas.
Quantos de nós nos conhecemos, mas não sabemos quem somos. Já destruímos nossas colunas de tanto manter nossos ombros caídos. Tanto desânimo, tanto esgotamento. O mundo se cansou de nós e nós nos cansamos uns dos outros? Tanta gente que não se entende. Nos esquecemos ou nunca compreendemos que pertencemos à mesma espécie? O mundo é pequeno pra suportar tantos mundos diferentes dentro dele.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Será que esta tela em branco tem algo a me dizer? Carrega em si todas as cores assim como levo em mim todas as dores, sem deixar transparecer. Ela une unevitável o início do texto e seu fim na mesma linha imaginária que torna a vida um ciclo de censura e prazer. É como minha fé, escrevendo a história a partir daquilo que não posso ver, me conduzindo a idéias que só conhecerei no último parágrafo, no último pedaço de existência inalado. Este espaço de construção infinita é como um trecho de pensamento incompreendido.

Redigir é permitir que as palavras nasçam livres, diferentes dos homens, que já nascem agarrados à sua história, presos a seus ancestrais através de um cordão umbilical. Este branco ilimitado é meu céu, livre de homens, cheio de asas. E é minha linguagem que me permite explorá-lo e sondá-lo. E  este canto de liberdade e medo é meu segredo, é meu rochedo, é meu por inteiro. Esta tela em branco é minha casa, é de onde saio e pra onde volto em seu tempo. Amo este lugar porque ele não me prende, me deixa ir e voltar. Volto quando quero e sei que sempre será assim tão particular. Este lugar tem meu cheiro e esta tela, que (sim) me diz tudo ou nada, é o ponto de partida para todas as coisas que eu quiser (ou não) compartilhar.

sábado, 5 de junho de 2010

Lembro-me ainda com clareza daqueles tempos de criança-adolescente, em que brincava com um certo limite de fé, que iria dominar o mundo. Faria da guerra uma eterna espera e da loucura ingênua a lei dos humildes. Seria etérea e certa, ditando aos adultos seus castigos, caso não cessassem suas impiedosas tolices. E diria inevitável aos súditos desobedientes: "Cortem-lhes a cabeça!" ou quem sabe "Cortem-lhes a sobremesa!". Brincava de ser grande, sem entender que depois teria vontade de brincar de ser criança. Não era capaz nem mesmo de compreender o real sentido da palavra 'domínio'. Tão incrustado nas palavras 'força' e 'disciplina' e tão debilmente dependente das palavras 'limite', 'responsabilidade' e 'sabedoria'. Pensava inocente que conseguiria ter controle sobre a humanidade. Mas hoje percebo que não consigo gerir  minhas próprias vontades. Mudo de humor como quem troca de roupa e substituo minhas idéias com a velocidade dos meus pensamentos. Não permaneço por muito tempo apoiada em uma das pernas, mudando incessantemente de posição. Hoje quero a solidão e amanhã já necessito de amigos. Vejo o mundo girar ao redor de mim e minha cabeça girando ao redor do corpo. Enlouqueço em pensar que sou a mais normal das criaturas e tento me rebelar contra a ditadura dos hormônios. Não sei se sou química ou energia. Não sei onde está minha alma e se ela irá acabar um dia. Penso na eternidade e no tempo que isso iria durar ainda. Descer não é uma opção e voltar não está escrito nas linhas de minhas mãos. Cresci apenas para ver que ainda sou pequena e se carecia de proteção e de um guia, hoje muito mais preciso que me mostrem a direção. Se toco piano, perco o comando dos dedos, se empolgo na história, vejo meus lábios conversando sozinhos e não consigo determinar ao meu próprio coração, músculo independente e autoritário, quando bater ou não. O universo é assim, sem controle mas no mesmo instante autodeterminado. E eu, que bobinha... Achava que iria dominar o mundo. Desculpe-me seres humanos. Sem Deus, somos somente cegos dançando em círculos e compondo canções. Não me seguro e não me impulsiono. Não decido quando vou e não me detenho. Minha mente é quem vai à medida que lhe dão corda e que o criador a atrai.

sábado, 24 de abril de 2010

Um caldeirão. Como poderia descrever melhor? Não havia separação ou qualquer ruptura de ideias. Lançavam todos os nomes, e gostos, e opiniões e formavam aquela maravilhosa massa homogênia de fanfarrões. Se vestiam de princesas e dragões, pintavam as faces e iluminavam tudo com purpurina. E de repente já nos víamos cercados de falsários, glutões, personagens mudos e pedaços de personalidades sem coração. Nos iludiam com sucesso, apresentando suas canções, suas histórias, seus pequenos bordões com sentidos duvidosos e suas várias facetas estampando suas surpresas e supostos assombros morais. E era tudo tão belo! Por que não? Nos sentíamos como num sonho, a dançar com fadas e gnomos. E lhes confiávamos nossas existências e deixávamos, encantados, que nos dissessem nossos papéis e nossas participações, e que planejassem todo o nosso roteiro. Como se a atuar em um espetáculo universal, tentávamos desempenhar ao máximo nossas funções de figuração. Enchíamos com nossos rostos alegres o cenário do plenário e contribuíamos orgulhosos com a formação da imagem de nossos ícones. E era tudo tão simples, e com promessas de gratas retribuições. Parecíamos grandes quando em verdade éramos não mais do que nada. E parecíamos importantes e cruciais, apesar de não nos ser permitido qualquer gesto ou manifestação individual. E era tudo tão lindo não é mesmo? Por que não? Nossa palavra de ordem era liberdade de expressão. Nos diziam que poderíamos manifestar sempre o que pensássemos. Mas não percebíamos que só pensávamos o que nos diziam. E, é claro, alguns de nós sentíamos que estávamos sendo sempre guiados, e vivíamos sempre cercados, e amávamos sempre o que nos era ditado. Mas era tudo tão bonito, e tão perfeito, e tão completo! Olha só: nós votávamos. Éramos cidadãos. Nós não éramos livres? E não éramos afinal, uma família, um povo, uma nação??? Ah... era tudo tão lindo... E éramos felizes no caldeirão. E éramos tudo que sonhávamos. E sonhávamos que tomávamos as decisões.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Olhar-me atualmente é olhar para uma tela branca, à espera... De um milagre, de um resgate, de uma revelação, não sei. Não saber tem sido minha eterna constância. Minhas vidas, apenas um ensaio da dúvida ou um interminável elogio à loucura. Alternar os dias entre a vida que vivo e a vida que sonho e tentar misturar o sabor da guerra à antecipação da conquista. Os colares que os outros dão a mim, arranco em um impulso incontrolável e vejo suas pérolas rolarem de meu pescoço ao chão. Não os quero nem os aprecio. Não possuem a beleza que procuro em tudo que não me pertence e que poderei um dia alcançar. Poderei realmente? Ou não valerá a pena tentar? Tento enxergar com meus olhos míopes o futuro que se nega a me revelar, que me fornece apenas instantes, pedaços desconexos do tempo. E vejo cores sem forma a se misturarem umas às outras sem definição, sem conclusão. Retornar será uma opção? Aceitar mais uma vez uma imposição que não é minha razão? Ou despedaçar os perfumes que ganhei e cheirá-los uma única vez, e uma última vez? 10 horas, quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010. Tenho a data em meu calendário e o horário em meu relógio, mas não sei em que época estou nem em que página eu vou. Apenas faço o que posso e espero o que gosto. Artesã de mim. Irei como quem canta o som do vento, confiando em seus sentidos. Iludidos, incertos? Olhos abertos, tocando o significado das coisas. Esbarrando nas frágeis teias, sem pular etapas, sem esquecer os laços que firmarão meus braços e guiarão meus passos. Me ver à frente de mim. Me ver mais longe e mais perto do fim. Me ver é tudo que preciso agora, é o que me mostrará a decisão. É o que me levará à outra vida, mas me manterá prostrada, centrada, no chão. Saberei quem sou eu e me encontrarei mais uma vez num futuro próximo, espero.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009


A vida de Amélia seguia normalmente sem muitas impressões. Cumpria somente e sabia que deveria ater-se a seus afazeres de todos os dias. Trabalho, almoço, casa. Repetições constantes e autoritárias que impunha a si mesma. Somente a certeza da rotina lhe fazia sentir a segurança tão desejada em meio aos conflitos que algemava em seu interior. Não devia nada ao mundo lá fora. Até então, conseguira passar despercebida pelas almas curiosas de seu círculo de convivência. Saberiam eles de seus grotescos pensamentos egoístas? Como reagiriam eles diante da revelação das reais intenções de seus atos? Sublimados pela inexistência temporária. Embaraçados em meio ao caos de seus sentimentos. Protótipos mal elaborados dos sonhos que abandonara há milhoes de anos-luz. Sentia-se eterna, imortal em sua pequenina grandeza interior. Sereia do tempo, navegante das ondas sonoras, surfista incondicional da vontade alheia. Poderia pegar as palavras e fabricar algodões-doces cheios de açúcar e nenhum conteúdo. As pessoas gostavam de ler suas idéias vazias. Sentiam-se mais sábias e cultas apenas pela impressão agradável que as palavras lhes causavam. Não se importavam em compreender os sentidos camuflados no doce que derretia em suas bocas. Era doce e pronto. Era bom.

Amélia poderia reconstruir-se todos os dias, mas nada saía do lugar. As coisas permaneciam as mesmas. Sua história permaneceria a mesma. Já não lutava mais contra o inevitável. Aceitava passivamente os dias que lhe eram propostos. Sem vírgulas, sem interrogações, apenas reticências... Continuaria assim ainda por muito tempo. À meia-vida. Ao meio-tempo. Ao meio-nada. Ao meio. Seria infinatamente duas. Seria a casca e o miolo. Seria a paz e o tufão destruidor. Altiva e quebrantada, impenetrável e desolada. Ninguém jamais conheceria o fardo de ser. Apenas sempre ser. Ser-Amélia.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009


Hoje o vento invadiu minha sala repentinamente. Entrou correndo pela janela, sacudindo as cortinas, varrendo os móveis e balançando meus cabelos, fazendo cócegas em minhas orelhas. Como sempre, provocante, me causou emoções inquietas, desafiadoras. Percorreu não só a estante lotada de livros, mas as histórias escritas neles e cada personagem vivendo em suas páginas. Todos sentimos, surpreendidos, doces calafrios dos beijos que o vento soprou. Levantou os papéis esquecidos sobre a mesa, os quais dançaram incontinentes a música regida pelo infante maestro que brincava desajeitado, derrubando os objetos do aparador e as fotos penduradas na parede.

Mas então me levantei, impiedosa, e corri rapidamente os trilhos das janelas abertas, interrompendo o espetáculo, trancando o vento sozinho do lado de fora. Já acostumada a seguir só, não imaginei que tamanha tristeza causaria. Cortei a música, inibi a dança, paralisei a brincadeira. E o vento moribundo, bêbado, tonto em sua loucura contagiante, chorou do outro lado do vidro. Batia desesperado, rogando-me que o deixasse entrar. Esperneou, agredindo as janelas. Me ameaçou com uivos e trovoadas. Gritou alto de dor, de medo do deserto lá fora. Por um momento, cheguei a pensar em deixá-lo voltar por apenas alguns segundos, para se aquecer, para aquecer nossos corações. Mas ele desabou em lágrimas. Derramou rios melosos sobre as calçadas, ruas, outdoors e placas de trânsito. Balançava, nervoso, as árvores em seu caminho, derrubando suas folhas inocentes, desferindo golpes em minha direção, detidos apenas pelo fino vidro que nos separava.

Vendo assim sua fraqueza, esqueci-me de meu breve pensamento de caridade e velei-o, manhoso e cheio de pirraça, só e atabalhoado, do outro lado do mundo. Não permitirei que molhe minhas cortinas e meu sofá, bagunçando o conforto que construí e fazendo festa em minha sala impecável. Chora agora vento boêmio. Repensarei tua penosa condição e talvez se, e somente se, te acalmares e sentires que és capaz de tocar uma música suave, que não acelere quaisquer rítmos cardíacos, e prometeres, "palavra de escoteiro", que não tirarás meus papéis para dançar, poderei até deixar que entres novamente em minha casa. Mas tudo sem bagunça, pois nada deverá sair de seu devido lugar.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009


A Falácia da Verborragia.

Tem gente que pensa que o muito falar é o bem falar. E tem outros que pensam que o não falar é não se posicionar. Uns organizam as palavras estrategicamente de modo a se fazer acreditar que possuem algum conteúdo válido a demonstrar. Traiçoeira ilusão. Inventar, disfarçar, maquiar, desviar. Infinitivos amálgamas para um único fim. Te levar, me levar, nos moldar num mar de caos pintado de rosa. E os maiorais vão surfando nessa onda, da hipocrisia ao conto fantástico. Outros digerem suas línguas e seus pensamentos, sonhando que não são nem esquerda, nem direita, nem de cima, nem de baixo. São a. Apolíticos, arrítmicos, alienados, analfabetos, atores coadjuvantes. Ambos totalmente obsoletos. Me diga com que verbetes constrói teus argumentos e lhe mostrarei com quantos paus se derrubam suas idéias. No mundo das idéias, a ditadura dos sentidos.

Falei bonito e não disse nada.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

E aquele a quem foi negada a terra para manutenção da vida, jaz agora deitado sob seu sonho, conquistado finalmente para acolher sua morte. Nada mais cruel e irônico. Lutar incessante até o encontro da bala fria com seu corpo rude, para enfim descansar no seu leito almejado. Um país de infantes gananciosos, nada mais. Que aprenderam a brigar desde cedo por seus desejos egoístas, sem nem mesmo conhecer a razão que os motiva. O tempo passa, mas as histórias continuam as mesmas. Primeiro o roubo. Dos direitos, da dignidade, da condição de homem, da vida. Depois o enterro. Da palavra, da revolta, da Justiça. Só mesmo velado, para sentir as flores, o carinho das lágrimas e ter seu pedaço de chão. "... porque o Brasil é meu e dou ele a quem eu quiser."

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

E enquanto se vendem bundas a fim de se tornarem escravos da fama, escravos do crime vendem o tráfico com o sonho de compra de uma liberdade impossível. No submundo, a consciência da vida interrompida. No sobremundo, a inconsciência da inocência corrompida. O pouco que satisfaz e o muito que não sacia.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Sincronizem. É muito fácil fazer sempre aquilo que se espera de nós. Muitas vezes a renúncia não é tão complicada assim como dizem. Negar a si mesmo não é a maior das batalhas. Afinal, somos sempre construídos para perpetuar isso. Logo cedo, aprendemos a negar nossos desejos. Aprendemos a freiar nossos instintos e somos ensinados a dominar nosso egoísmo. Tratados sempre como cartas-brancas, desenvolvemos a arte de calar nossas opiniões. "Vozes infantis são ingênuas e despojadas de qualquer experiência fática. Não possuem ainda cargas de fatos, lugares ou sobressaltos. O que saberiam dizer? Conhecem apenas continentes coloridos de países governados por fadas." Não é questão de se ensinar a pensar. É a imposição da proibição de pensar. "Relaxem, enquanto construímos seu mundo." E depois de tatuar a submissão e o silêncio, e de selar a paz no feudo, cobram-nos agora a ideia e o conhecimento. Exigem de nós a remissão de seus pecados. "Reajam. Revoltem-se! Criem e restabeleçam a ordem. Gritem suas insatisfações sociais e recusem-se a aceitar o descaso." Ótimo! Agora temos a palavra, o papel e a caneta. Temos a dívida e o crédito. Temos a luz do passado e a alma do futuro. Mas se esquecem do que não aprendemos e nos repassam as sandálias para a estrada. "Vão! Libertem o conteúdo de suas gargantas, desmascarem os falsos profetas e saltem para a infinita galáxia de suas mentes". E assim nós, eufóricos e cheios de esperança, limpamos o pó de nossas bocas, retiramos o lodo de nossos ossos, lançamos às costas nossas mochilas de histórias e recados para o outro mundo, e caminhamos de volta para casa. Porém, ao chegarmos, encontramos apenas a sombra do vazio, e relembramos finalmente de porque nós não nos manifestamos. Nosso povo nos ensinou as letras, o idioma e o som, mas nos roubaram nossas vozes e nossos sonhos, invadiram a lua e explodiram nossos castelos. E sobre nossos ombros arqueados, restou-nos apenas nossas histórias, nosso passado e a imaginação e os recados para o próximo mundo. Então, apenas com nossos olhos e nossos dedos, sem voz, sem lua, sem alvos, reerguemos nossas canetas sobre os papéis amarelados. Fantasmas iluminem-nos, pois só podemos agora desenhar nossos personagens. Como dizer então o que nos esmaga o frágil peito? Mais simples é resignar-se ao julgo. Sorria e concorde.
Minhas patéticas considerações. Sinto o medo me atrair mais uma vez. A dúvida entre a minha capacidade e meus sonhos. Os desejos de coisas que não tenho e que não sei se me apetecerá possuir algum dia. Sabedoria, paciência, empatia. Os sentimentos que tento construir em mim se recusam a brotar. Se chegam a despontar em algum momento, aparentam tão falsos, não convencem. Sinto-me forçada a me reconstruir todos os dias. Pois o que tento ser não me aceita e o que me mostro ser de verdade me assusta. Ontem me decidi a lutar, a não permitir que nada atravessasse meu destino outra vez. Me decorei. Desenhei repetições do que irei alcançar. Hoje já me descobri amaldiçoando-me novamente, rascunhando fracassos, lamentando a não existência. Chôro, mais uma vez. Como se minhas lágrimas histéricas pudessem reconstruir meu castelo de pautas perdido. Esse constante cansaço. Esse leito de facas. Minha revolta não me aperfeiçoa. Minhas experiências não melhoram meu caráter. Sinto um ódio calado, camuflado em apatia. Meus olhos de fogo abafado. Somente fumaça passageira, imperceptível e incerta. A dúvida que penetra a minha página. Instintos secretos, selados. Idas e voltas não vingadas. As férias vazias, do mal que corrói minha inocência, sempre adiadas. Deverei interromper minha espera. A hora vaga, passeia. E minha fera já desperta o mês. Os bocejos da terra engolirão o passado, farta e fugaz. Seis meses verei. A Glória ou Fim.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Triste Inspiração

A multidão se aglomerara em volta do corpo. A rua ficara intransitável. Carros, ônibus, camionetes, todos se viram obrigados a contornar a praça e realizar uma imensa volta para continuar seus destinos. A polícia chegara há alguns minutos. Tentava apaziguar a multidão que se formava, mas tornava-se cada vez mais impossível.
Uma garota estirada no chão, inerte, e a população curiosa presenciando o mais vivo dos “reality shows”. Uma menina ainda, cabelos castanhos curtos, magrinha, morena clara. Mais uma entre os milhares que chegariam ao necrotério aquele dia. O rosto coberto por sangue, coração que já não pulsava mais. O ar polúido ainda poderia correr por suas narinas, mas não mais produziria vida.
E pensar que horas antes, ela tirara o uniforme do colégio e colocara a roupa da moda. Assistira àquele seriado de romance adolescente, recebera uma mensagem de uma colega em seu celular e sorrira ao rever um amigo de infância. E pensar que minutos antes, ela pensara que mais tarde iria ao cinema com a galera da escola e faria um lanche rápido na sanduicheria da praça. E pensar que por segundos apenas, se tivesse tropeçado no lixo jogado na calçada, ou se tivesse deixado cair uma moeda, ou se um bêbado tivesse lhe proferido algumas obscenidades e ela tivesse se voltado para olhar furiosamente, talvez assim o ônibus lotado teria passado velozmente, rumo à periferia, aos centros comerciais, ao bairro universitário, ao shopping, sem grandes impressões.
Mas não, nada disso aconteceu. Enquanto talvez pensasse que já era hora de começar a analisar que curso escolheria em uma faculdade, ou em ir à procura de um emprego de meio período para pelo menos poder comprar os produtos que a sociedade lhe oferecia, não verificou que o semáforo estava fechado para os pedestres. E tranquilamente, sem preocupações, sem grandes anseios, sem medo, ainda espirituosamente confiante na vida e na humanidade, ela dera o primeiro passo. Antes mesmo que seus pés tocassem o chão, fora levada pelo ônibus em alta velocidade. Esmagada, como uma folha de papel inanimada. E aquele objeto, que outrora possuíra vida, ritmo, movimento, agora se via estirado, imóvel, impassível.
Incrível como segundos mudam tudo. E os planos para daqui duas horas, para amanhã, para daqui dez anos, são deletados e esquecidos.
A polícia terminara o inquérito, a multidão saciada de entretenimento vivo se dispersara. O trânsito, aos poucos, retomou seu ritmo, as chuvas lavaram as ruas. A família viveu seu luto e o escritor deu vida à sua pena.
rosas

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Descanso

F. se deitara há meia hora, mas ainda não dormira. Olhava fixamente para a janela de seu quarto. As ruas estavam escuras e silenciosas. A cidade adormecida e sua mente ainda em estado de alerta. Acompanhara as luzes da cidade se apagando uma a uma, a algazarra dos bêbados no ponto de ônibus em frente à sua janela sendo interrompida por fortes homens fardados, ‘escudeiros da paz e da ordem pública’.

Mas a inquietação em seu peito não se dissipava. O brilho da lua não a acompanhava mais, havia sido sufocado pelas negras nuvens que ameaçavam despencar sobre os prédios antigos e sujos do bairro. O céu infinito e escuro parecia prestes a invadir sua alma, lhe encarava como um carrasco, disposto a arrancar-lhe a capa que cobria seu corpo e revelar todos os seus medos, fracassos e arrependimentos. As estrelas pareciam não se contentar mais com sua grotesca atuação. Elas sabiam a verdade.

Paralisada, F. imaginava o paraíso. O que seria exatamente? Seria um lugar onde pudesse não pensar? Para F., todos os problemas humanos eram consequências da mente, de seu privilégio: a razão. Se por um segundo, pudesse não pensar, então teria encontrado a liberdade e seria feliz. Mas f. não conseguia se libertar. Via-se presa, acorrentada em sua própria mente. Não desejava dominar o mundo, desejava dominar apenas a si mesma. Não exatamente suas atitudes, mas seus pensamentos.

Iniciara-se.

Os pingos começaram a cair lentamente. Como lágrimas, o céu passou a se derramar sobre os homens. Como F. desejou estar lá fora. Queria ser banhada, inundada por aquelas águas. Águas que pareciam frágeis, mas que tomando a forma das partículas que encontrava, as levava consigo. F. queria ser levada. Levada para o paraíso.

Enquanto olhava as gotas encharcarem suas cortinas, lentamente, como o pouso de um pássaro sobre os galhos, como o presente se tornando passado, F. fechou os olhos, finalmente adormeceu. E ali, com o céu chorando e se lamentando por ela, F. se viu. Livre.

A chuva parou, uma leve brisa veio agitar as cortinas. Por trás dos prédios, um fraco traço de luz cruzou o céu. F. descansava coberta por um manto azul e o tempo corria lhe trazendo a promessa de um novo dia. Algo chegaria pela manhã.

Descanso

domingo, 5 de fevereiro de 2006

Pensamentos de uma era

Correria

Plena tarde de uma segunda-feira, 35 graus. O som dos carros e dos vendedores ambulantes ultrapassa até mesmo o som de meus  pensamentos. Em um dia tranquilo, em um lugar tranquilo, eu conseguiria ouvir minha própria respiração, mas ouvir a buzina do automóvel que quase me atropela já é uma grande proeza.
Finalmente consigo subir à calçada, com o coração na mão e os nervos à flor da pele. Imagino que não há zoológico maior do que a própria sociedade humana, e me vejo perdido em escolher agir como minha espécie e insultar o descuidado motorista que desrespeita a sinalização, ou como um ser consciente, diplomata e esclarecido. Acabo não negando minhas origens. Motorista filho da p…
Prossigo em meu caminho, buscando alcançar o próximo estabelecimento de livros usados. Encontrar alguém que pague bem pela coleção completa dos contos de Machado de Assis já não é tão fácil. A cultura tem perdido seu valor, assim como nós mesmos temos perdido nossos valores. Não cheguei a ler toda a coleção, mas entre a camisa do meu time, a caixinha de cigarros autografada pela musa Ivete Sangalo e a coleção de contos, me decidi por vender os livros que ganhara ainda no ensino médio e nunca passara dos prefácios.
Engraçado, não encontro a tal loja de livros. O velhinho dos churros quentes havia me informado que era nessa rua. Estranho. Peço informações. Esclarecem-me que nesta rua não há loja alguma, apenas edifícios residenciais. O centro de compras do qual tinham conhecimento ficava a alguns quilômetros dali. Penso em talvez ir até lá, mas minhas pernas não concordam, estavam em atividade desde cedo.
Dezessete horas. Hora do jogo. Preciso me apressar para pegar a condução. Talvez dê tempo de parar e deliciar um pastel banhado em óleo na lanchonete do Juca, na próxima esquina. Mas não, perderei os saudosos cumprimentos do Galvão Bueno no início da partida. Convenço-me a ir pra casa logo e fazer uma omelete.
Embarco na condução lotada. Uma senhora se levanta para descer, quando me apresso e ocupo seu lugar. Não se passam nem cinco minutos e uma mulher grávida se posta ao meu lado. Não sei por que pobres ainda se dão ao luxo de ter filhos. Finjo um cochilo. Olho de rabo de olho, ela não está mais ali. Um senhor havia cedido seu lugar. Por sua postura, percebia-se que era um homem de fina educação. Sinto muito, meu velho, o mundo hoje não está pra favores, agora que se aguente em suas próprias pernas.
Olho pela janela. Vejo um grupo de ‘mauricinhos’ dirigindo um automóvel de luxo e vêm alguns impropérios em minha mente. Penso na humanidade que estamos construindo e tento entender onde tudo isso começou. Observo o momento ao meu redor, ouço tristemente os ruídos do fim do dia e me dou conta:
_ É, não se fazem mais gerações como a minha.
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