terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Descanso

F. se deitara há meia hora, mas ainda não dormira. Olhava fixamente para a janela de seu quarto. As ruas estavam escuras e silenciosas. A cidade adormecida e sua mente ainda em estado de alerta. Acompanhara as luzes da cidade se apagando uma a uma, a algazarra dos bêbados no ponto de ônibus em frente à sua janela sendo interrompida por fortes homens fardados, ‘escudeiros da paz e da ordem pública’.

Mas a inquietação em seu peito não se dissipava. O brilho da lua não a acompanhava mais, havia sido sufocado pelas negras nuvens que ameaçavam despencar sobre os prédios antigos e sujos do bairro. O céu infinito e escuro parecia prestes a invadir sua alma, lhe encarava como um carrasco, disposto a arrancar-lhe a capa que cobria seu corpo e revelar todos os seus medos, fracassos e arrependimentos. As estrelas pareciam não se contentar mais com sua grotesca atuação. Elas sabiam a verdade.

Paralisada, F. imaginava o paraíso. O que seria exatamente? Seria um lugar onde pudesse não pensar? Para F., todos os problemas humanos eram consequências da mente, de seu privilégio: a razão. Se por um segundo, pudesse não pensar, então teria encontrado a liberdade e seria feliz. Mas f. não conseguia se libertar. Via-se presa, acorrentada em sua própria mente. Não desejava dominar o mundo, desejava dominar apenas a si mesma. Não exatamente suas atitudes, mas seus pensamentos.

Iniciara-se.

Os pingos começaram a cair lentamente. Como lágrimas, o céu passou a se derramar sobre os homens. Como F. desejou estar lá fora. Queria ser banhada, inundada por aquelas águas. Águas que pareciam frágeis, mas que tomando a forma das partículas que encontrava, as levava consigo. F. queria ser levada. Levada para o paraíso.

Enquanto olhava as gotas encharcarem suas cortinas, lentamente, como o pouso de um pássaro sobre os galhos, como o presente se tornando passado, F. fechou os olhos, finalmente adormeceu. E ali, com o céu chorando e se lamentando por ela, F. se viu. Livre.

A chuva parou, uma leve brisa veio agitar as cortinas. Por trás dos prédios, um fraco traço de luz cruzou o céu. F. descansava coberta por um manto azul e o tempo corria lhe trazendo a promessa de um novo dia. Algo chegaria pela manhã.

Descanso

2 comentários:

Marcus Henrick disse...

No meu site inaugurei a rádio som do coração !!
ouve as músicas lá rsrsrs
Um grande Abraço !!

Anônimo disse...

Amei o texto *-*

Estou seguindo.

Se quiser dar uma olhada happinesshared.blogspot.com

Beijocaa, :D